segunda-feira, 13 de julho de 2009

'Democracia Cultural' por Frei Betto

Texto públicado na edição da revista "Caros Amigos" em Julho de 2009. Sei lá vou posta-lo. Se você está lendo é porque eu acabei postando. Me fez pensar um pouco.

"O homem e a mulher são os únicos seres vivos que se contrapõem a natureza. Os demais são todos determinados pela natureza. Esse distanciamento humano frente ao mundo natural faz a realidade revestir-se de simbolismo e produz a emergência transcendental do imaginário.
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Voltada sobre si mesma, a consciência humana sabe que sabe, enquanto os animais sabem, mas ignoram a reflexão. Através do simbolo e do significado, o ser humano se relaciona com a natureza, consigo mesmo, com os semelhantes e com Deus.
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Nasce a cultura. A vida social ganha contornos definidos e explicações categóricas. Do domínio das forças arbítrarias da natureza chega-se às armas que permitem a imosição de um grupo cultural sobre outro. Porém, cultura é identidade e, portanto, resistência. Mesmo assim, a absolutização dos sistemas ideológicos oferece o paraíso, induzindo o dominado a sentir-se excluído por não pensar pela cabeça alheia.
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No Brasil colônia, os métodos de catequese Cristã introduziam entre os indigenas o vírus da desagregação e, hoje, os donos dos garimpos, das madereiras e o governo perguntam perplexos por que os povos indigenas precisam de tanta terra se nada produzem. Os pentecostais atacam os ubandistas e certos setores da igreja Cristã olham com solene desprezo o Candomblé.
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A queda dos governos dos países socialistas no Leste Europeu assinala, não o fim do socialismo, como propaga a midia capitalista, mas sim da absolutização dos sistemas ideológicos. Desabam, com a herança estalinista, todas as estratégias de hegemonização da cultura, e da própria idéia de "evolução cultural". Não há culturas superiores, há culturas distintas. Agonizam as versões totalizadoras em todos os terrenos da produção de sentido - político, economico e religioso.
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Quem pretender ignorar o sinal dos tempos tera de apelar para o autoritarismo para infundir temor. A mais de 500 anos da chegada de Colombo às Americas - uma invasão genocida que alguns chamam de 'encontro de culturas' - convém relembrar esses conceitos antropológicos. E agora a democracia impregna também a cultura. Cada homem e mulher, grupo étnico ou racial, descobre que pode ser produto do próprio sentido da sua vida. O díficil é respeitar isso como valor, sobretudo nós, Cristãos, que ainda não sabemos distinguir Jesus Cristo do arcabouço judaico e greco-romano que o reveste e tanto favorece o euro-centrismo eclesiástico.
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Felizmente o próprio Jesus nos ensina a diferença entre imposição e revelação. Impõe-se pervertendo a natureza do poder (Mateus 23:1-12). Mas revelação significa "tirar o véu": ser capaz de captar os fragmentos culturais de cada povo e reconhecer as primicias evangélicas alí contidas como afirmou o Concilio Vaticano II.
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Aliás, Deus não fala latim. Prefere a linguagem do amor e da justiça. E esse dialeto toda cultura incorpora e entende." (Frei Betto)



Paz de Cristo

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